19/02/2011

O arguido...

"...No interior dos partidos que alternam no poder, ou seja, no governo, há igualmente o problema, referido por Mário Soares na sua crónica, dos "boys que só pensam em ganhar dinheiro e promover-se".



É um problema cruciante nas democracias modernas, consequência daquilo a que Donatella Della Porta, professora de Administração Local na Universidade de Florença, considera uma "quebra progressiva da tensão ideológica, que deixou um vazio ao nível dos princípios éticos".


Essa "quebra dos estímulos ideológicos" abriu caminho a indivíduos mais sensíveis a motivações materiais, ou seja, à defesa dos seus interesses pessoais. De facto, a falta de pessoal qualificado, capaz de desempenhar funções de direcção política e de gestão da coisa pública, passou a ser compensada pela "oferta" de uma nova classe de oportunistas, atraídos por aquilo que a política lhes pode oferecer, tanto ao nível local como ao nível nacional, para multiplicarem os seus proventos pessoais.


É evidente que a "quebra da tensão ideológica" diminui bastante a capacidade dos partidos de formularem programas e políticas públicas consistentes e coerentes, em benefício da generalidade dos cidadãos. Clientelismo, nepotismo e patrimonialismo condicionam inevitavelmente a visão e os objectivos daqueles que detêm os poderes de decisão.


Assistimos então àquilo que se designa por "gestão clientelar" das ofertas de emprego na administração pública e nas empresas públicas, das nomeações políticas feitas pelos partidos, das adjudicações de obras e serviços públicos, e do favorecimento de certas empresas privadas.


"As práticas clientelares e de governo paralelo", como também são designadas, "transformaram os próprios partidos." Enfraqueceram a sua capacidade de canalizar, traduzir e corresponder às necessidades daqueles que representam – os representados – e, em contrapartida, "reforçaram a sua tendência para proporcionar vantagens aos seus representantes".


Toda esta intrincada teia de interesses e conivências – caracterizada pela emergência de indivíduos que a especulação enriqueceu rapidamente, pela arrogância dos novos poderosos e pela corrupção das elites, pelo aumento significativo das necessidades financeiras dos partidos políticos e pelo total desprezo votado à moral do serviço público – torna muito difícil imaginar "um novo impulso democrático", uma grande transformação política e uma verdadeira renovação ideológica dos partidos que alternam no poder...."

Alfredo Barroso, in Jornal i

2 comments:

  1. Parte do problema é o facto de andarem a "lavar" o discurso político retirando-lhe termos e conceitos como a ideologia que aumentam o vazio que as práticas políticas já nos mostram no dia-a-dia. Dizem à boca cheia que não há esquerda nem direita, nem proletariado nem patrões, nem capitalismo nem liberalismo. Querem confundir os incautos, fazer-lhes crer que é tudo o mesmo e que por isso não interessa em quem se vota. Alie-se a isto uma geração, ou várias, de pensamento acrítico que vive no mundo do choque tecnológico dos Magalhães e das consolas de jogos, sem transmissão da história do seu país e das raízes culturais e está a receita meio feita para o sucesso dos anos anti-vocabulário político, anti-coragem política, anti-ideologias que o que interessa é ter um telemóvel última geração, um carro xpto, uma casa c/ piscina, um emprego que pague tudo isso mesmo quando não há qualificações para o exercer - empregos dos boys, o que importa menos é que os sujeitos sejam acéfalos. Huxley se fosse vivo talvez ainda se surpreendesse com este pouco admirável mundo novo...

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  2. Tânia,

    É o SWOT a atacar....

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